Atrás de um grande negócio existe uma grande mulher. O ditado pode não ser bem este, mas se aplica ao crescimento feminino quando a palavra é empreendedorismo. Segundo o IBGE, as mulheres correspondem a 50,62% da população do país, e uma pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor mostra que, no ano passado, elas representavam 49% dos empreendedores do país. Em um relatório do Sebrae, que analisou o número de empreendedores entre 2003 e 2013, a taxa de crescimento das mulheres que trabalhavam por conta própria foi quase o dobro da registrada para os homens nesse período. Enquanto a participação feminina crescia 1,4% ao ano, a dos homens subia 0,8%. Já as empregadoras — aquelas que têm funcionários — passaram de 841 mil, em 2003, para pouco mais de um milhão em 2013, um crescimento médio anual de 2,1%.
— A autoconfiança é o ponto mais crucial do empreendedorismo feminino. Elas sabem o que querem, e pensam com cuidado antes de fazer qualquer coisa. Conseguem traçar metas e criar em pequenas proporções até onde podem ir. Muitas estão batalhando pela qualidade de vida, vivem outra função a não ser casa e filho — explica a analista do Sebrae Raquel Abrantes.
Entre as que dão vida a esses números estão mulheres jovens que desde cedo assumem a responsabilidade de tocar uma empresa. Na pesquisa, entre os que trabalhavam por conta própria no período, a proporção de mulheres jovens (até 39 anos) é superior à proporção de homens nesta mesma faixa etária, o que representa 41,1% e 37,5%, respectivamente.
Na cena carioca, essas mulheres estão por toda parte. Elas passam por tecnologia, estética, design e vão até a gastronomia na busca pela independência. Entre os 20 e 30 anos, essas jovens começaram empresas do zero ou passaram a tocar negócios familiares trazendo uma série de inovações. Uma dessas empreendedoras é a design de joias Luli Martins, de 30 anos, que montou sua loja há três, depois de passar por várias joalherias como funcionária.
— Sempre amei joias desde pequena. Fiz curso de ourivesaria na adolescência antes de fazer a faculdade. Às vezes, as pessoas me veem atendendo o público e não se dão conta de que eu sou a designer das peças — conta Luli, que está em todas as frentes de produção.
Jogar nas 11 posições, assim como Luli faz, é um traço feminino e, segundo Marcus Quintella, professor de MBA de empreendedorismo da FGV, é uma das várias características que justificam o sucesso na hora de tocar um negócio.
— As mulheres têm um instinto maternal. Elas não empreendem apenas por motivação financeira. Além disso, elas têm um espírito multifacetado, conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo. Normalmente, são mais intuitivas, sensitivas, prudentes e atentas às questões de mercado — explica.
Com Luciana Malavasi, de 32, e Daniela Brandão, de 30, sócias da marca de roupa feminina Bles, essas características se uniram para fazer o negócio decolar. A atenção das duas se voltou totalmente para o mercado da moda ao sentirem o quanto a área conseguia mobilizar desejos e atingir resultados significativos. O start de Luciana veio quando ela trabalhava como jornalista e cobria eventos do ramo. Já Daniele se formou em moda em Miami e tinha a visão de como o e-commerce era forte no exterior. Um dia, sentaram-se juntas e uniram ideias e forças.
O foco inicial da dupla foi unicamente o on-line, mas as duas, após analisarem a necessidade do mercado, já batalham para marcar o nome da Bles no atacado, com a venda em multimarcas. A alma multitarefa também é carro-chefe desse negócio.
— Nós enfrentamos muitos desafios no começo, mas aprendemos fazendo, colocando a mão na massa. Temos percebido que, para o negócio dar certo, nós temos que estar de olho em tudo — aponta Luciana.
História parecida tem a dupla Tatiana Rudge, de 24 anos, e Alexia Marini, de 25. Elas estão por trás da Shop Lix Mix, um e-commerce fundado em 2014 que reúne badaladas marcas femininas como Ateen, Lolita e Sofia para Vix. A ideia de montar o negócio surgiu depois que Alexia terminou a faculdade de Economia na Universidade de Nova York. Quando chegou ao Rio, em dezembro de 2013, ficou espantada com a mãe, que foi ao shopping para fazer as compras do Natal.
— Não acreditei que as pessoas aqui saíam de casa para comprar as coisas. Lá nos Estados Unidos, eu fazia tudo pela internet. Até compras de mercado e de farmácia — resume Alexia.
Resolveu, então, montar seu próprio negócio, que juntaria o conhecimento adquirido na universidade com uma de suas maiores paixões: a moda. Enquanto pensava como iria concretizar seu site, reencontrou uma colega antiga. Tatiana era formada em administração, trabalhava no mercado financeiro e sonhava em ter um negócio virtual. As duas, então, tiraram o sonho do papel. Planejaram tudo juntas, do layout da plataforma às marcas parceiras.
— Fazemos de tudo um pouco. Vamos às feiras, escolhemos os produtos, montamos os looks, fotografamos, respondemos nas redes sociais em menos de um dia… — conta Tatiana, sorrindo.
Pouca idade pesa
Embora hoje Tatiana e Alexia tenham mais de 50 marcas parceiras e registrem um crescimento mensal de 30%, no começo elas foram vítimas de preconceito de gênero e estranhamentos em relação à pouca idade. Nas feiras, expositores não confiavam no trabalho das duas jovens que haviam acabado de abrir sua empresa.
— As pessoas não levavam a sério e perguntavam: “Ah, você que é a dona?”. Elas não acreditavam que nosso negócio fosse durar um ano. Hoje tem marca que procura e não queremos. Nós que fazemos a curadoria das peças. São modelos que sempre usamos, as nossas marcas favoritas e coisas novas que estão surgindo no mercado — conta Alexia.
Na empresa, elas são mais novas do que todos os seus cinco funcionários, homens e mulheres. Conscientes que a experiência também vem com o tempo, elas pedem e escutam as opiniões do colaboradores antes de darem a decisão final.
— Escutamos muito o que as pessoas têm a acrescentar. Deixamos um canal aberto para que elas opinem, pois somos muito novas e sabemos que, em certas coisas, não temos experiência. Todos os funcionários têm voz ativa antes de darmos a decisão final — explica Alexia.
No mundo artístico, as meninas do aplicativo Alpha’a também encontraram obstáculos. A economista Manuela Seve e a historiadora Renata Thomé, ambas de 28 anos, afirmam que a maioria dos programas de incentivos no Brasil foca em empreendedores mais estáveis e de mais idade. E que, por serem mulheres e muito novas — tinham 26 anos quando lançaram o aplicativo — recorrentemente precisavam se afirmar.
— Os raros programas de incentivo têm foco em tecnologias tradicionais no exterior e em empreendedores “tradicionais”. Acho que é uma sociedade ainda muito machista que não vê a mulher como muito mais do que bela, recatada e do lar — desabafa Manuela.
O negócio surgiu quando ela notou a falta de acesso do público a artistas independentes. Resolveu, então, criar o site Geração Alpha, com o objetivo de democratizar e expandir o mercado de artes visuais. Logo depois, a historiadora Renata Thomé se juntou ao negócio. Desenvolveram o aplicativo Alpha’a, gratuito para IOS e Android, no qual artistas podem cadastrar suas obras, compartilhar a localização de seus estúdios e agendar visitas, além de promoverem a conexão direta com o colecionador e o público. As três obras mais votadas em curadoria popular ficam disponíveis on-line e o cliente pode escolher o formato e a cor da moldura desejada. As meninas, então, imprimem as obras e as vendem com preços que chegam a R$ 400.
Para Raquel Abrantes, essa vontade de mudar cenários também é uma característica feminina nos negócios:
— A mulher tem esse lado de fazer a diferença para o mundo, e não só para ela.
Herança e Inovação
Quando criança, Bianca Gayoso, de 28, ficava no caixa do Sushi Leblon “achando que estava fazendo o negócio”. Filha do esportista e empresário Pedro Paulo Guise, o saudoso Pepê, fundador da barraca que leva seu nome e do premiado restaurante japonês, Bianca encontrou na mãe, Carolina Gayoso, um exemplo não só de empreendedorismo, mas de garra. Foi Carolina quem, há 25 anos, assumiu os dois negócios quando Pepê morreu em um acidente e deixou dois filhos pequenos.
Diferentemente do irmão, que é economista, Bianca sempre soube que assumir o restaurante não seria só uma questão de herança, mas de aptidão. A intuição feminina não falhou. Hoje, além de estar à frente do administrativo e dos novos negócios do Sushi Leblon, ela comanda o Zuka e o Brigite’s, abertos pela mãe em 2002 e 2011, respectivamente. Aos poucos, Carolina passa a trabalhar menos para deixar a filha como sucessora:
— Quando eu comecei a trabalhar nas casas, eu queria ser funcionária, mas não teve jeito. Eu acho que eu tenho o espírito de tocar negócios. Ainda tenho vontade de abrir mais restaurantes. Já cheguei a ver pontos, só não coloquei em prática porque o momento não está favorável.
Bianca conta que já pensou em criar um estabelecimento com o irmão, mas diz que o lado racional dele fala mais alto.
— Acho que a mulher é mais emocional. O racional deles diz para colocar tudo no papel, já a mulher é mais audaciosa. Às vezes, podemos errar mais, mas a nossa intuição costuma ser bem mais forte — opina.
Durante a entrevista ao GLOBO-Zona Sul, o telefone de Bianca não parou de apitar. Mas a desenvoltura da jovem mostra que ela se preparou para resolver todos os percalços que aparecem, dentro e fora da tela do seu celular. Há seis anos, ela investiu em um curso de finanças e empreendedorismo nos Estados Unidos.
Bianca teve a chance de trabalhar em um banco ao fim do período, mas preferiu voltar. Ela conta que os restaurantes têm um administrativo formado por 25 mulheres e que o toque feminino pode ser percebido desde a observação dos detalhes nos pratos ao relacionamento mais sensível com os clientes. Além disso, as casas ganharam a marca da inovação trazida pela jovem. Entre as novidades estão a criação de uma cerveja para o Sushi Leblon, um cardápio físico do Zuka feito em um jogo americano e a organização de eventos no Brigite’s, que agora tem uma barwoman.
— Eu tenho uma pasta de casos de sucesso que estudei quando me formei. Todos os exemplos que estão lá são de locais que inovaram. Não dá para ficar parado no tempo. Tudo pode mudar em segundos e, se não acompanharmos, ficamos para trás — diz.
Para as mulheres que tem esse perfil empreendedor, o professor Quintella aconselha:
O mais importante é a busca do mercado-alvo. O empreendedor pode ter dinheiro, fazer o melhor produto, mas você tem que saber o seguinte: quem vai comprar? Nessas horas, a sensibilidade feminina ajuda a identificar.
Já Ricardo Yogui, professor de Inovação da pós-graduação do Ibmec, fala sobre as chances de qualificação:
— Na graduação, existem disciplinas eletivas de empreendedorismo. Com isso, é possível que as mulheres se formem em suas profissões e tenham esse domínio adicional. Também há programas em grandes empresas fora da faculdade, como o Shell Iniciativa Jovem, e os do Sebrae.
Por O Globo