Ainda hoje me lembro da voz do médico que disse que eu, aos 27 anos, estava grávida de gêmeos. Lembro também da minha cara de choro e das lágrimas que não desciam, tamanho o choque da notícia. O impacto não era pela maternidade em si. Já era mãe de um lindo rapazinho de 2,5 anos, responsável pela transformação da minha vida para muito melhor. O choro preso era pelo contexto afetivo em que me encontrava: estava me separando do pai das crianças. Separação irreversível e irremediável.
Então, era isso: 27 anos, dois filhos na barriga e um no colo. Sozinha. Há tempos vinha pensando em mudar de trabalho, que me mantinha fora de casa até altas horas da noite. Tinha um filho maravilhoso e me doía na alma perder momentos preciosos do seu desenvolvimento. Mas o mercado, cruel como só ele, mostrava que nada era fácil para a mãe que precisava ou queria trabalhar fora. Ainda mais se ela fosse solteira. Poucas oportunidades, salário baixo e uma grande desconfiança sobre a disposição para o trabalho.
Decidi seguir em frente na minha carreira solo. Enchi o peito de coragem e encarei os desafios, um a um, tanto em casa quanto no trabalho. Nessas horas, a gente tira forças nem sabe de onde e até se assusta com o poder que brota da gente. Como jogar tudo para o alto não é uma alternativa, a gente levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. Foi o que eu fiz. E tenho aprendido lições preciosas nesse período:
Maternidade nem sempre é sentença de fim de carreira
Consegui me tornar mais produtiva depois que virei mãe. Junto com os meus filhos, nasceu também a habilidade de ser multi, de me dedicar a várias coisas ao mesmo tempo. Isso repercutiu no meu lado profissional. Se passei a ter menos tempo para trabalhar, tive que otimizar as minhas horas de trabalho, fazendo mais com menos. É claro que conciliar o trabalho com as demandas dos filhos e os afazeres de casa exige muito jogo de cintura. Mas, com uma boa dose de organização e senso prático, as coisas vão se ajeitando.
Vivo um dia de cada vez
Baixei a expectativa sobre o futuro. O amanhã ainda não chegou e o hoje já tem obstáculos demais. A sobrecarga provocada pelo excesso de responsabilidades exige que a gente priorize o que realmente é importante. Um filho adoeceu? Paro tudo e cuido dele. Sarou? Corro e compenso o que ficou para trás no trabalho. Pouco importa se a faxina não está em dia ou se as roupas sujas estão se acumulando no cesto. Tive o privilégio de trabalhar em instituições e com pessoas que entendem os percalços da dupla jornada de uma mãe. Como também sempre fiz por onde ser compreendida do ponto de vista profissional, a vida vai fluindo com certa harmonia.
Mantenho distância de pessoas negativas
A vida é dura e a gente sabe, não precisa ninguém ficar nos lembrando disso o tempo todo. Conviver ou trabalhar com pessoas que nos deixam para baixo é o mesmo que deixar um carro andar com o freio de mão puxado. Procuro ter um olhar leve sobre os desafios de cada dia. Todos têm problemas e a beleza da vida está justamente na maneira como decidimos superá-los. Parar para chorar? De jeito nenhum. A gente até chora, mas chora caminhando.
Incluo meus filhos no trabalho
Meus filhos são o motivo pelo qual eu busco uma vida melhor. Portanto, nada mais justo do que deixar que eles acompanhem a minha labuta. Participá-los dos meus compromissos profissionais os ajudam a compreender melhor as minhas ausências. Isso faz com que eles valorizem não somente o meu trabalho, mas cada minuto que passamos juntos quando não estou trabalhando.
Dedico um tempo para mim
Até parecemos, mas não somos heroínas. Tem hora que não dá. Um pouquinho de privacidade é fundamental para a gente se recompor. A conta do descuido pessoal e emocional sempre chega, quase sempre mais alta do que podemos pagar. Precisamos criar um tempinho para nós mesmas, nem que, para isso, seja preciso deixar os filhos um pouco de lado. Antes de sermos mães, somos mulheres. Temos desejos, medos, sonhos, esperanças. E defeitos. Não nos esqueçamos deles, são o que nos tornam humanas.
Por Katharina Lacerda